Coimbra, 29 de Julho 1858.
Minha querida Mamã,Depois de tantos trabalhos e sustos chegou finalmente o dia, em que
dando um suspiro
de alívio pude descansar sem cuidados; e por isso é que lhe escrevo debaixo da
agradável impressão de ter feito os exames e de me achar habilitado com os exames de
Instrução Primária, Francês, Latim, Lógica, Retórica, História e Geografia, Geometria, e
Introdução aos três Reinos da Natureza, e apto para me matricular em qualquer
Faculdade, a qual será a que o Papá e a Mamã escolherem.
Estou pois muito contente, não só pelo facto em si, como também pela alegria que com
isso terão todos os que por mim se interessam; e muito aliviado pois o fim do ano é o
maior Cabrion(1) que um pobre Estudante pode ter.
Agora pois estou em Férias, e espero passá-las descansado, e lendo algum livro que
possa instruir-me, sem contudo ter o peso da Ciência: agora que lancei a Ciência nas
certidões, posso-me entregar um pouco aos meus passatempos favoritos de Literatura e
Poesia: são estes os meus divertimentos nesta terra, e confesso que tem para mim
milhares de atractivos, e que os prefiro a todos os outros.
Agora estou eu fazendo uma pequena tradução em verso, e estando pronta lha
mandarei, visto que a Mamã tem a suma bondade de ler as minhas modestas rabiscas.Não sei
se passarei aqui as férias: eu desejava ir uns 15 dias à Figueira, tomar banhos e
passear, pois esta vida de Estudante não é só monótona e incómoda, mas também
pode fazer mal sendo contínua: por isso mesmo é que se fizeram as férias, tempo de
descanso: além disso o meu estado de saúde pede esta pequena viagem: não que eu
tenha doença alguma grave, mas ando sempre com pequenos achaques tais como dor
de cabeça, febre, constipação, etc. Já vê a Mamã que preciso espairecer, e mesmo os
ares do mar fazem-me iludir um pouco, e transportam-me pelo pensamento aos belos e
saudosos tempos que aí passei. Quem me dera já o ano que vem, para lá ir, como o
Papá me prometeu: enfim, será quando Deus quiser!
Também lhe quero pedir um favor – Daqui até Novembro, tempo em que começam as
aulas, precisava ler alguns livros de Literatura filosófica, para não ir para a Universidade
com os olhos fechados sobre este ramo das Letras, que é necessário pela relação
íntima que tem com todos os outros: precisava pois comprar esses Livros, e é o favor
que lhe peço, o pedir ao Papá que me mande dinheiro para eles, que, para os que por
ora preciso, não será necessário mais que 5 ou 6 mil réis. Isto devia eu ter pedido
directamente ao Papá, mas não sei que acanhamento me deu, que tenho vergonha de
lho pedir, enquanto que à Mamã lho peço com mais confiança.
Peço-lhe me recomende muito a todos; Manas(2), André(3), Prima Anica(4) e Beza(5): a
esta última peço lhe dê um abraço da minha parte.~
Adeus minha querida Mamã
deite a sua bênção ao seu
Filho muito obediente e amigo
Antero
(Carta de Antero a sua mãe que saíu na Prova de Acesso ao Mestrado 20/09/2010)