quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Carta de um filho estudante


Coimbra, 29 de Julho 1858.

Minha querida Mamã,Depois de tantos trabalhos e sustos chegou finalmente o dia, em que
dando um suspiro

de alívio pude descansar sem cuidados; e por isso é que lhe escrevo debaixo da

agradável impressão de ter feito os exames e de me achar habilitado com os exames de
Instrução Primária, Francês, Latim, Lógica, Retórica, História e Geografia, Geometria, e
Introdução aos três Reinos da Natureza, e apto para me matricular em qualquer
Faculdade, a qual será a que o Papá e a Mamã escolherem.

Estou pois muito contente, não só pelo facto em si, como também pela alegria que com

isso terão todos os que por mim se interessam; e muito aliviado pois o fim do ano é o

maior Cabrion(1) que um pobre Estudante pode ter.

Agora pois estou em Férias, e espero passá-las descansado, e lendo algum livro que

possa instruir-me, sem contudo ter o peso da Ciência: agora que lancei a Ciência nas

certidões, posso-me entregar um pouco aos meus passatempos favoritos de Literatura e

Poesia: são estes os meus divertimentos nesta terra, e confesso que tem para mim

milhares de atractivos, e que os prefiro a todos os outros.

Agora estou eu fazendo uma pequena tradução em verso, e estando pronta lha

mandarei, visto que a Mamã tem a suma bondade de ler as minhas modestas rabiscas.Não sei
se passarei aqui as férias: eu desejava ir uns 15 dias à Figueira, tomar banhos e

passear, pois esta vida de Estudante não é só monótona e incómoda, mas também

pode fazer mal sendo contínua: por isso mesmo é que se fizeram as férias, tempo de

descanso: além disso o meu estado de saúde pede esta pequena viagem: não que eu

tenha doença alguma grave, mas ando sempre com pequenos achaques tais como dor

de cabeça, febre, constipação, etc. Já vê a Mamã que preciso espairecer, e mesmo os

ares do mar fazem-me iludir um pouco, e transportam-me pelo pensamento aos belos e

saudosos tempos que aí passei. Quem me dera já o ano que vem, para lá ir, como o

Papá me prometeu: enfim, será quando Deus quiser!

Também lhe quero pedir um favor – Daqui até Novembro, tempo em que começam as

aulas, precisava ler alguns livros de Literatura filosófica, para não ir para a Universidade

com os olhos fechados sobre este ramo das Letras, que é necessário pela relação

íntima que tem com todos os outros: precisava pois comprar esses Livros, e é o favor

que lhe peço, o pedir ao Papá que me mande dinheiro para eles, que, para os que por

ora preciso, não será necessário mais que 5 ou 6 mil réis. Isto devia eu ter pedido

directamente ao Papá, mas não sei que acanhamento me deu, que tenho vergonha de

lho pedir, enquanto que à Mamã lho peço com mais confiança.

Peço-lhe me recomende muito a todos; Manas(2), André(3), Prima Anica(4) e Beza(5): a

esta última peço lhe dê um abraço da minha parte.~

Adeus minha querida Mamã

deite a sua bênção ao seu

Filho muito obediente e amigo

Antero


(Carta de Antero a sua mãe que saíu na Prova de Acesso ao Mestrado 20/09/2010)