sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"A Poesia torna-nos pessoas melhores"

"A tarde nem a meio vai sequer e Filipe Lopes prepara-se para enfrentar a quarta plateia do dia. Os sinais de cansaço ou enfado estão, todavia, ausentes da expressão deste psicólogo, que há 15 anos, como membro do grupo Contador de Histórias, tem percorrido o país em centenas de sessões que visam aproximar os cidadãos da literatura e, acima de tudo, da poesia, devoção de longa data do co-fundador desta pequena empresa de prestação de serviços culturais sediada em Tomar.
"Foi sempre isto que quis fazer", confessa Filipe, que em nenhum momento se arrepende da opção profissional tomada há mais de uma década: "Faço mais pela saúde mental das pessoas lendo poemas e outros textos literários do que num gabinete a dar consultas. É uma realização pessoal muito grande".
Pela frente, tem agora duas dezenas de estudantes do 10º ano da Escola Secundária Diogo de Macedo, no Olival, em Vila Nova de Gaia. Se o entusiasmo não é propriamente o sentimento dominante entre os jovens, Filipe Lopes não se mostra demasiado preocupado com a apatia inicial.
Enterrar os mitos
Hábil conhecedor da psicologia de massas, não tarda a conquistar a plateia, começando por reconhecer que o ensino tradicional está longe de fazer tudo o que pode pela literatura, ao dissecá-la em vez de tentar cativar os alunos.
O resultado, garante o declamador, são gerações sucessivas de jovens erradamente convencidos de que "a poesia é uma seca", quando, na verdade, é o oposto. "Os programas educativos estão concebidos para que os jovens não gostem de ler", desabafa, em tom crítico, mas iliba os professores de quaisquer responsabilidades nesse domínio, embrenhados como estão "no cumprimento de tantos objectivos e tanta papelada que já não lhes sobra tempo para mais nada".
Durante quase 50 minutos, numa sessão precisamente intitulada "Então isto é que é a poesia?", Filipe Lopes enceta uma viagem guiada pelos encantos da palavra poética. Luís de Camões e Florbela Espanca são os primeiros deste cardápio literário de excepção, intercalado sempre por comentários espirituosos que cimentam o tom de informalidade pretendido. Seguem-se, entre tantos outros, Mário-Henrique Leiria, Sebastião da Gama e, até, José Luís Peixoto, amigo do declamador desde os tempos em que ambos escreviam no extinto suplemento "DN Jovem".
A plateia há muito que parece ter vencido as resistências iniciais. E mesmo os mais distraídos no arranque da sessão deixam de lado a irrequietude habitual para se tornarem membros activos do recital, lendo em voz alta poemas de autores que se habituaram a olhar com cepticismo. O segredo? Tratar os jovens com sentido de responsabilidade, sem embarcar nos facilitismos, é um bom princípio, até porque "a base existe. É preciso apenas ter disponibilidade mental para trabalhá-la", defende.
Filipe Lopes assegura que o fomento da leitura é apenas o princípio de tudo. Em última instância, acredita que a literatura é um vector fundamental para a tão desejada educação para a cidadania: "Pessoas que lêem muito provavelmente terão mais consciência social do que as outras. Por isso, gosto de acreditar que a poesia ajuda-nos a sermos melhores".


in "Jornal de Notícias" 26 de Novembro de 2010

2 comentários:

  1. Nada mais certo, mas já não se faz poesia como antigamente.

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  2. Por minha grande falta de jeito, mas com o desejo de também partilhar o espírito desta quadra, partilho de Vitorino Nemésio, um outro Natal,

    «Percorro o dia, que esmorece
    Nas ruas cheias de rumor;
    Minha alma vã desaparece
    Na muita pressa e pouco amor.
    Hoje é Natal. Comprei um anjo,
    Dos que anunciam no jornal;
    Mas houve um etéreo desarranjo
    E o efeito em casa saiu mal.
    Valeu-me um príncipe esfarrapado
    A quem dão coroas no meio disto,
    Um moço doente, desanimado…
    Só esse pobre me pareceu Cristo.»

    Com um sincero desejo de uma quadra plena,
    Um imenso abraço,

    Leonardo B.

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