quarta-feira, 29 de julho de 2009

Morreste-me

(...) Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste
mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo
isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o
dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a
sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no
nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas
palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer,
em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho
alvura sobre mim. E oiço o eco da tua voz, da tua voz que nunca mais poderei
ouvir. A tua voz calada para sempre. E, como se adormecesses, vejo-te fechar as
pálpebras sobre os olhos que nunca mais abrirás. Os teus olhos fechados para
sempre. E, de uma vez, deixas de respirar. Para sempre. Para nunca mais. Pai.
Tudo o que te sobreviveu me agride. Pai. Nunca esquecerei.



in Morreste-me
de José Luís Peixoto

2 comentários:

  1. Foi o primeiro livro dele. Dedicou-me um post la do seu blog que está algures no meu. Este livro foi edição de autor e também gostei muito. A tónica é sempre a mesma, mas tal como digo no post anterior em que tao bem escreves, nao é so o fulgor que é belo.

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  2. Belo texto. Não conheço o escritor, mas, ler este texto dá vontade de conhecer a sua escrita.

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